quinta-feira, 12 de março de 2009

Crônica: O secador da boina azul

Se no Jockey Club já encontramos algumas figuras curiosas, nas agências de apostas a incidência delas é ainda maior.
Todo turfista sabe do que estou falando: aqueles que sempre tem a barbada depois que o páreo correu, os que não estudam um páreo e vão na cerca pedir informações aos jockeys, os supersticiosos que sempre jogam no mesmo guichê, outros que fazem estudos mirabolantes sobre as corridas e no final acertam com a mesma freqüência com que todo mundo acerta, etc.
Pois bem, certo dia comecei a notar que um dos freqüentadores de uma agência a qual eu costumo ir estava me causando uma tremenda má sorte. Eu nunca quis acreditar nisso porque não sou supersticioso, ou não era – já não sei mais. O fato é que esse senhor, que aparenta uns setenta e cinco anos e sempre usa uma boina azul que lhe esconde a calvície, adora falar para os amigos sobre os cavalos que ele acredita que têm chances. Até aí tudo bem, eu mesmo adoro fazer isso e acredito que todo turfista é assim. Mas quando ele começa a falar de um cavalo no qual apostei... Eu já começo até a ficar desanimado e tento achar alguma diferença desse animal para jogar contra. Porém, a esperança é a última que morre, portanto, quando começa o páreo vou para frente do monitor de TV para torcer pelo meu, a partir de agora, matunguinho.
Como se não fosse bastante a carga negativa – olhem só as expressões que estou utilizando! Eu não era assim! – que ele jogara no meu animal antes do páreo dando-o de barbada para todo mundo, ele ainda se empolga e começa a narrar o páreo junto com o locutor oficial. Ninguém reclama quando ele faz isso porque o tal do secador até que leva jeito para narrar. O problema é que se o meu cavalo vai indo à dianteira durante a reta de chegada, a empolgação do locutor coadjuvante vai se tornando maior: “E lá vai o alazão na ponta! E ele vai tirando mais e mais rumo ao disco, não pode perder!” Ah, pode sim! Como num passe de mágica o cavalo vai parando, parando, parando até não pagar sequer placê. Muitos podem acreditar que isso é lorota de turfista, mas quem me conhece sabe que fujo desse cidadão como o diabo foge da cruz.
E para minha surpresa, em um outro dia em que eu estava na agência, a salvo do “homem que faz os cavalos pararem”, – nesse dia ele havia feito forfait - fiquei atrás da cadeira em que estava sentado um colega meu, cruzei os braços e comecei a assistir ao páreo. Não é que, na entrada da reta final, o meu colega, como se percebesse algo errado, se vira para trás, me vê de braços cruzados e os separa com suas mãos. Não entendi o corrido, mas continuei a ver o páreo. E o defensor do Figueira do Lago no qual havíamos apostado, eu e meu colega, venceu firme.
Enquanto era transmitido o replay do páreo, esse meu amigo começou a me explicar que já freqüentou uma espécie de entidade mística a qual pregava que o cruzar de braços funciona como uma espécie de trava para as boas vibrações. Além disso, prosseguiu dizendo que o tal do secador da agência, aquele que eu já acreditava tratar-se do meu carma, era campeão do mundo em ficar de braços cruzados perto dele durante os páreos. De tanto que o meu amigo reclamou, o dono da boina azul perdeu o costume de cruzar os braços e, para ser sincero, eu também. Afinal de contas, já não posso mais dizer que não sou supersticioso e fiquei com medo de as “cargas negativas” do cruzar de braços sejam cumulativas e que eu, quando alcançar o setenta e cinco anos, desenvolva o “poder” de parar os cavalos.

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