sexta-feira, 17 de abril de 2009

Crônica: Ombro amigo, mas nem tanto

Certo dia, um amigo que eu havia apresentado ao turfe poucas semanas antes me telefonou completamente desiludido da vida. A sua namorada havia lhe dado um pontapé e, se já não fosse o bastante, ainda arranjou outro em menos de uma semana.
Lembro-me até hoje da uma hora e meia que passamos ao telefone falando sobre a sua desilusão – e o pior de tudo é que eu estava no trabalho -, sendo que ele chorava suas mágoas e eu tentava em vão consola-lo.
Porém, não acreditei quando ele me implorou para leva-lo novamente às corridas para ajuda-lo a esquecer daquele fato. Confesso que fiquei muito assustado, pois temia que ele se afundasse no vício tendo eu como colaborador.
E foi esta a primeira vez na minha vida que pedi para que uma pessoa não visitasse ao hipódromo, mas não houve jeito. Acabei por acompanha-lo às corridas no sábado à tarde.
Chegando ao hipódromo, tomamos assento nas arquibancadas sociais e conversamos muito sobre o assunto e, páreo após páreo, ele parecia estar ficando mais consolado. Óbvio: tudo que uma pessoa na situação dele precisa em um momento desses é de um ombro amigo e de um pouco de distração. Foi exatamente isso que ele encontrou no hipódromo naquela tarde.
Então, no mesmo momento em que eu já acreditava que havia amenizado o problema que o afligia, foi quando começou o meu problema naquela tarde. Iria correr o sexto páreo da reunião e eu fiquei atônito quando percebi que o palpite que eu tinha para aquela carreira era uma poule de nada menos do que quinze por um.
A essa altura estávamos por perto da cerca da raia de grama, ainda conversando. E o leitor pode me considerar um crápula, mas tenho que confessar que com um olho prestava atenção no que dizia meu amigo e com o outro vigiava a pedra. O rateio da pupila do Haras Regina que era meu palpite não parava de cair.
Eu não conseguia encontrar uma maneira de interrompe-lo para ir até o guichê para jogar. Se eu estivesse em seu lugar, ficaria profundamente magoado se aquele que me consolara me deixasse à margem para ir apostar. Portanto, esperei por um momento mais apropriado para fazer meu jogo.
Quando faltavam uns três minutos para o larga do páreo, para minha infelicidade, o pior aconteceu: ele teve uma recaída e rompeu copiosamente em prantos. Fiquei completamente sem ação e acabei por desistir da aposta na poule que, naquele momento já pagava apenas oito por um. Afinal de contas eu poderia estar enganado, não é mesmo? Não é todo dia que ganha uma potranca pagando esse rateio.
Largou o páreo, meu amigo ainda chorava e a pupila do Regina saiu riscando na frente em um “train” vertiginoso. E não tinha uma boa visão do páreo porque ainda me encontrava junto à cerca, mas, pelo que transmitia o locutor, ela parecia vir muito firme na ponta. Do lugar onde eu estava, conseguia ver apenas que ela mantinha uns quatro corpos de vantagem.
Coitado do meu amigo, quando as potrancas adentraram à reta, eu apenas sabia que ele estava falando comigo, porém era como se ele falasse em um outro idioma, pois minha atenção estava voltada à narração do páreo.
Torci muito para que a minha indicada não vencesse para que eu não sofresse o castigo, mas nos duzentos finais veio o veredicto do locutor: “É, de bandeira à bandeira, a melhor!”. Nessa hora quase que eu também caio em prantos.
Mas, no final das contas, me orgulho da postura que tomei. Só fico um pouco chateado por não ter dado mais atenção ao meu amigo. Se bem que sua namorada não valia nem meia das lágrimas que ele derramou naquele dia, mas isso é outra história.
Passados alguns dias ele já estava melhor e somos amigos até hoje. Porém ele ainda não sabe da história do jogo que não fiz.
Falando francamente: meu amigo apenas teve a ganhar com o ocorrido, pois a namorada atual dele não é tão bonita quanto a anterior, mas é uma pessoa extraordinária.
A potranca que venceu a sua segunda carreira naquele dia, ainda chegou a ganhar três clássicos antes de ir para Dubai. Consegui apostar nela nessas três vitórias
Ah, já ia me esquecendo: meu amigo nunca mais voltou às corridas.

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