sexta-feira, 10 de abril de 2009

Crônica: Meu guichê favorito

Uma coisa muito característica do jogo, como o Turfe, é o apego que o apostador cria com a pessoa que fica ali atrás do guichê captando as apostas.
A maior prova de que esse apego existe é a tal da “caixinha” que os apostadores costumam dar quando ganham quantias altas. Há até estudos que tratam sobre o porquê da “caixinha” e a conclusão que se chegou foi a de que o apostador atribui sua sorte ou azar à pessoa que está trabalhando no guichê.
Eu mesmo, há certo tempo atrás, sempre brincava com um amigo meu: “Você já percebeu que quando jogamos no guichê daquela moça lá das especiais (as arquibancadas especiais do Hipódromo de Cidade Jardim) a gente não volta para receber um placê?” E meu amigo acabou comprando essa idéia.
O mais engraçado de tudo é que, não sei se por incompetência nossa, ou azar mesmo, os nossos jogos não estavam vindo quando jogávamos no guichê dela. E era só jogar em outro guichê e pronto: voltávamos para receber.
Porém, como a moça sempre foi muito simpática e atenciosa, sempre estávamos lá no seu guichê fazendo um joguinho.
Com o tempo, tomamos a liberdade de lhe contar que a má sorte rondava o seu guichê e passamos a nos referir a ela como “zica” (é o azar para os mais jovens). Ela ficava maluca da vida. E se essa idéia se espalhasse? Provavelmente perderia alguns dos seus “clientes” e, por conseqüência, boas “caixinhas” também.
Sempre que ela podia, argumentava conosco que já havia pagado inúmeras poules no dia e fazia questão de mostrar no seu monitor a tela que comprovava isso. “Vocês é que não sabem jogar”, replicava ela. Mas em nenhuma das vezes ela perdeu o bom humor e era isso que nos cativava cada vez mais a fazer nosso joguinho por lá mesmo.
No entanto, certo dia, um pouco antes de ser corrido o GP Juliano Martins, percebi que um animal do Stud Ouro e Preto vinha com boas corridas do Tarumã e estava sendo considerado como um dos azarões do páreo. Fui ao guichê da moça e joguei uma quantia irrisória no placê do animal. Ela achou esquisito e perguntou: “Vai jogar só isso no placê? Esse daí é bomba?”.
E eu respondi que era sim que eu achava que tinha boas chances. Depois de jogar voltei para as arquibancadas e, de binóculo em punho, comecei a acompanhar o páreo. E não é que o paranaense vinha bem na ponta? Porém, quando ele chegou aos 600m finais, ainda ponteando, tirei o binóculo da frente dos olhos para acompanhar o páreo a olho nu. E para a minha surpresa perdi de vista o paranaense. Mas, como o favorito do Stud Raça, que era o que eu tinha marcado na acumulada de vencedor, assumiu a ponta desisti de procurar pelo defensor do Ouro e Preto no páreo.
Quando termina a corrida, noto que o animal do Tarumã havia mancado e não completou o percurso. Graças a Deus, ele não necessitou ser sacrificado.
Aí foi demais. Retornei ao guichê e brinquei com ela: “Agora você está até fazendo os bichinhos pararem na raia?” E ela não se agüentava de dar risada.
Passados uns sete meses do ocorrido, ainda continuávamos, eu e meu amigo, jogando no seu guichê e brincando quando os cavalos não vinham. Mas, logicamente, nesta altura do campeonato o tal do azar já não era tão forte, já que sempre jogávamos no seu guichê e nunca ouvi falar de maré de azar que durasse tanto tempo. Ou seja, agora enfrentávamos apenas a dureza que é ganhar dinheiro nas corridas e nada mais.
Então, foi quando tive a idéia de fazer um pick-3 final com apenas quatro inversões. Corri no guichê dela e falei: “Esse aqui já está fechado. É impossível de não dar!”. Ela olhou desconfiada e fez o jogo.
Minutos depois começaram a correr os páreos da trinca e já na abertura peguei uma poule boa. No segundo páreo do pick eu havia cravado a segunda força do páreo. O aprendiz se encaixotou completamente, mas conseguiu uma passagem nos duzentos finais e venceu firme ainda. Nessa hora eu comecei a ficar apreensivo porque já estava jogando em duas poules, uma de 3,30 e outra de 24,00, mais de quatro vezes o capital que eu tinha investido. O animal que pagava 24,0 era defensor do Stud Miami e o que pagava 3,30, o favorito, era defensor de Christian M.Petersen.
Quando o páreo começou, a minha bomba tratou de ir para a ponta e seguia braceando por uns dois corpos de vantagem. O restante do pelotão seguia agarrado e o favorito vinha em quarto. Chegada a última curva, o panorama da carreira não se modificara e o jockey do defensor do Stud Miami vinha quase em pé sobre o seu dorso olhando seguidamente para trás. Nessa hora meu amigo, que sabia da trinca que eu estava fechando, começou a me alertar: “Acho que esse não pára hoje não”. Eu não queria acreditar e procurava pelo favorito no pelotão. Este também vinha bem e fazia tudo por dentro. Confesso que minha torcida era por ele, pois não tinha a mínima convicção de que a minha bomba fosse resistir à tropa de choque na reta final. Adentrada a reta final, o experiente jockey do ponteiro, ainda a poule de 24,0, saca os óculos e dá rédeas ao conduzido que saiu tirando três e quatro corpos enquanto o favorito assumia a segunda colocação. Eu ainda não acreditava nos meus olhos, mas meu amigo começou a bradar de peito aberto: “Toca essa barbada!” E eu fui no embalo. Todos os turfistas olhavam para nós porque, provavelmente, nem os azaristas haviam apostado naquela poule.
No final, ganha o defensor do Stud Miami e o pupilo de Christian M.Petersen fez segundo a pouco mais de três corpos.
Então eu e meu amigo fomos até o guichê para receber a trinca que me rendera mais de cem vezes o valor que apostei.
Chegando ao guichê eu brinquei com a moça: “você guardou tudo para hoje, né?” Me referindo ao fato de que ela tinha reservado toda a sorte para o dia de hoje. Ela se assustou porque entendeu que havia feito um jogo errado e replicou: “você não pediu para jogar para amanhã!” Então eu pedi para ela ver quanto tinha dado a poule, ela quase cai para trás, entendendo imediatamente o que eu havia dito.
Se eu já dava preferência para fazer os meus jogos no guichê dela, depois desse dia, isso se transformou em uma religião, pois a maldição do guichê dela finalmente foi quebrada.

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